Cap 9 ao Cap 13
9° Capítulo
Tentar descobrir por que ele estava ali
era inútil. Mas sem dúvida sua presença em pessoa significava algo.
- Sim.
Ele tinha as cartas na mão. Era só
começar a jogar. Arthur ergueu uma sobrancelha.
- Há algum lugar onde possamos conversar?
O estômago de Lua deu um nó.
- Existe um parque perto daqui.
- Seu apartamento seria melhor.
É claro que ele investigara onde ela
morava.
- A dona do lugar proíbe visitas.
Arthur podia imaginar.
- Entre no carro, Lua, eu a seguirei.
Cinco minutos depois Arthur estacionava
próximo aos dois, velhos prédios de tijolos. O portão estava quebrado, a tinta
das caixas de correio, descascada, e a grama, alta.
- Segundo andar. - Ela passou pela
entrada da frente e foi até as escadas, ciente de que Arthur a seguia.
O cheiro de comida atravessava as
paredes finas, que não eram pintadas fazia anos.
O apartamento dela era o que Arthur
esperava. Avistou um fogão portátil; embaixo do balcão, um frigobar. Uma pia e
uma tomada. Concluiu que a porta à direita daria para um minúsculo banheiro.
Um sofá-cama, uma escrivaninha com um
laptop, uma cadeira à esquerda. O básico. Ele vivera em condições muito piores.
- Quer sentar-se?
- Eu fico de pé.
Arthur perceberia o quanto o lugar
parecia menor com sua presença? Era alto demais, grande demais.
Ele notava o nervosismo dela, quase
podia senti-lo, e admirava-lhe o autocontrole.
- Preciso marcar uma hora para você
encontrar-se com meu advogado.
Lua juntou as mãos.
- Isso é um "sim", sr. Aguiar?
Arthur não queria dar margem a
mal-entendidos.
- Estabeleci minhas condições. - Seu
olhar era direto, inflexível. - É fundamental que você as compreenda.
Um "sim" condicional, baseado
nas exigências dele. O que a fez imaginar que seria diferente?
- Só tenho tempo disponível entre as
três e meia e cinco horas.
Ele apanhou o celular, discou alguns
números, iniciou uma conversa rápida e desligou.
- Às quatro da tarde, amanhã. - Arthur
puxou um cartão e fez algumas anotações. - Nome e endereço.
Lua baixou a cabeça.
- Obrigada. Mais alguma coisa?
- Por ora, não.
- Então, se me der licença... - Foi até
a porta, girou a maçaneta e ficou esperando Arthur sair. Percebeu um discreto
divertimento e um sorriso sutil quando ele passou.
continua
10° Capítulo
Arthur fechou a porta e recostou-se
nela por um longo momento, até que as batidas de seu coração voltassem ao
normal. Então, foi até a sacola e escolheu um livro. Tinha de preparar a aula
do dia seguinte.
Selecionou os pontos que queria
enfatizar. Depois, fez torradas, esquentou uma lata de feijão e comeu a
refeição improvisada antes de ir para o chuveiro.
O estado do pai não se alterara. Lua
ficou ao seu lado por quarenta minutos, e foi para o Darlinghurst.
O pequeno restaurante estava mais cheio
do que de costume. Lua ficou até tarde para satisfazer o dono italiano, que
parecia estar ainda mais temperamental. O ruído dos pratos era ensurdecedor, o
serviço, feito às pressas, o som de vozes, animado. Até os clientes pareciam mais
exigentes.
Foi um alívio sair e ir para o carro.
Estava a apenas três metros dele quando
estremeceu. Virou-se e viu que dois garotos a cercavam, um puxava sua bolsa, o
outro tinha algo na mão.
A reação de defesa foi automática, o
chute, bem dado, mas estava em desvantagem e logo sentiu um corte no braço. As
luzes de faróis se aproximando a salvaram de algo pior, e os garotos correram.
Na pressa, deixaram a bolsa cair. Lua a
recolheu, verificou a carteira e correu para seu carro. Travou as portas e
ligou o motor.
Não parou nem para checar o braço,
apenas dirigiu até alcançar seu prédio. Foi só sob a luz forte que percebeu
que o corte profundo requeria pontos.
Para quem ligar àquela hora? Ninguém
decidiu, enquanto envolvia o braço em uma toalha, pegava a bolsa e voltava ao
carro.
Havia um hospital público não muito
longe. O pronto-socorro daria conta do ferimento.
Foi atendida após duas horas de espera.
Havia casos mais urgentes.
Já passava das três quando Lua
retornou. Tomou o sedativo que o médico receitara, puxou o sofá-cama e entrou
debaixo das cobertas.
Analgésicos a ajudaram a agüentar as
aulas do dia seguinte. Lua usou uma jaqueta, e ninguém suspeitou que levara
dezesseis pontos no antebraço, e que estava morrendo de dor.
continua
11° Capítulo
O escritório do advogado de Arthur
ficava em um dos prédios envidraçados do centro. Ela estacionou nos arredores
e pegou um ônibus.
Chegou um pouco antes das quatro, e mal
se sentara para esperar quando uma mulher elegante surgiu na recepção e a
acompanhou até a luxuosa sala, na qual um homem de quase quarenta anos a
recebeu.
- Srta. Blanco, sente-se por favor. -
Indicou uma das quatro confortáveis cadeiras e voltou para seu lugar atrás da
escrivaninha. - Arthur se atrasou.
0 cavalheiro apanhou três documentos e
se ateve ao primeiro.
- Mas podemos começar sem ele. -
Entregou-lhe três cópias. - Examinemos o contrato.
O rapaz era direto, Lua reparou, e
esclareceu cláusula por cláusula. Todas as possibilidades foram consideradas.
Ela ficou consternada por ter de morar na casa de Arthur. Uma amante em geral
ficava em um apartamento próprio, atendendo quando solicitada.
Arthur também aumentara o
período de doze para quinze meses. Por que Lua imaginara que podia impor-lhe
condições?
Ele também podia terminar o
relacionamento a qualquer momento, durante aquele período, mas ela não. Se Arthur
o fizesse, Lua teria de pagar o correspondente aos meses restantes.
Não tinha como escapar, como negociar. Arthur
a tinha na palma da mão, legalmente.
Arthur entrou quando Lua começava a
examinar o segundo documento.
Ela lhe dirigiu um olhar breve e frio.
O acordo pessoal abrangia questões
íntimas e envolvia exames de saúde e de sangue. Lua se sentiu ofendida, quase
insultada. Ficou vermelha, e só se acalmou quando viu que Arthur já se
submetera aos mesmos exames.
- Uma precaução necessária - o advogado
explicou com delicadeza, diante de sua perplexidade com a lista de exigências.
Ela leu tudo com muita atenção, e esclareceu todas as dúvidas.
- É claro que você é livre para
rejeitar essas exigências. Livre para ir embora daquele edifício e não ter nada
com Arthur. Mas, se o fizesse, herdaria uma dívida de meio milhão de dólares, o
que a deixaria falida. As chances de continuar a lecionar seriam mínimas.
Afinal, quinze meses não eram uma vida.
Depois de tudo, estaria livre, pronta para retomar o próprio rumo.
Pelo silêncio, o advogado supôs que ela
estava de acordo. - Algum pormenor que queira esclarecer?
Lua tinha de parecer profissional.
- Não. - Por dentro, entretanto, estava
arrasada.
continua
12° Capítulo
- Foi marcada uma consulta com um
médico para depois desta reunião. Também marquei hora com um outro advogado,
para que a aconselhe. Os resultados dos testes devem ficar prontos em quarenta
e oito horas, e uma cópia lhe será enviada.
Não podia haver maior eficiência. Então
por que Lua se sentia como se estivesse em uma montanha-russa?
Era isso o que planejara, que
perseguira. Todas as queixas contra seu pai seriam retiradas. Não teria de
servir mesas todas as noites e poderia sair do apartamentinho alugado.
- Obrigada. - Lua se levantou e pegou o
cartão do advogado.
- O consultório médico fica no terceiro
andar - o homem informou. - E meu colega está no décimo.
Conveniente, evitando a perda de tempo
indo de um lugar ao outro, e poderia chegar ao trabalho no horário.Lua inclinou
a cabeça na direção de Arthur e foi até a saída. O advogado a deixou passar, e
a secretária a acompanhou até os elevadores.
O advogado fechou a porta e foi até Arthur.
- Espero que saiba o que está fazendo.
- Tomou mesmo todas as providências
para que tudo dê certo - Arthur respondeu com tranqüilidade, enquanto seu velho
amigo lhe servia um drinque.
Gelo, uísque, soda, e o advogado
encarou Arthur, que havia tantos anos percorria o caminho do sucesso com ele.
- Desta vez você está lidando com um
ser humano, Arthur, não com ações, títulos, tijolos e argamassa.
- O acordo me intriga. - Arthur
inclinou-se, indolente. - E a mulher também.
- Há muito dinheiro envolvido.
- Só posso esperar que a recompensa
seja adequada.
O advogado tomou um longo gole.
- Espero que sim.
- Gracias, amigo.
Às seis horas Lua foi para o
restaurante. Calçou os sapatos de salto alto, vestiu o avental e começou a
trabalhar.
Não tivera espaço para pensar nos
últimos acontecimentos, e a falta de sono a fez trocar dois pedidos, deixando o
dono furioso.
continua
13° Capítulo
Após horas carregando bandejas e
pratos, seu braço começou a doer, e jurou que, se recebesse mais um tapinha no
traseiro, iria embora.
Conseguira uma vaga na rua principal,
após muitas voltas. Às onze em ponto pegou a bolsa, o pagamento e saiu.
- Lua?
A voz a assustou, e seu dono ainda
mais.
Arthur tinha uma aparência
formidável, o rosto sombreado pelas luzes de néon.
- O que faz aqui?
Ele lhe lançou um olhar duro.
- Pondo fim a seu tormento. Chega desse
trabalho miserável.
- Você não pode... - ela protestou, a
boca entreaberta. - Veja.
Minutos depois, Arthur estava de volta,
e seu jeito a deixou perplexa.
- Entre no carro. Eu a sigo até sua
casa.
- Daqui a dois ou três dias você poderá
mandar em mim. Agora, esqueça! - Altiva, Lua o encarou.
- Que coragem, pequena. - A
tranqüilidade dele era insultante. - Teve a mesma coragem ontem quando foi
atacada?
Lua se lembrou do médico lhe
perguntando sobre o antebraço machucado.
- As notícias voam...
- Você entrou no hospital à meia-noite
e saiu às três. Céus, ele era rápido!
- Suas fontes são admiráveis, sr.Aguiar.
- Da próxima vez, não diga que sabe se cuidar.
- Faço isso há algum tempo. - Ela não
queria ser tão cínica. - Entre no carro, Lua.
Ela o obedeceu, dirigiu até seu prédio
e estacionou. Quando saiu do veículo, Arthur apareceu a sua frente.
- Estou cansada demais para censuras. -
Se não entrasse e se sentasse rápido, iria desmaiar.
- Tome um sedativo e falte amanhã.
- Sim e não. - Lua começou a andar e
disse-lhe um breve boa-noite.
Arthur ficou parado, ciente
de que não podia impedi-la. Esperou que a luz do quarto se acendesse, entrou
no Mercedes e ligou o motor.
O final de semana se aproximava. Na
segunda-feira os resultados dos exames estariam prontos, e eles assinariam os
papéis.
Enquanto guiava, perguntou-se por que
se preocupava com aquela coisinha loira tão pequena e fragil.
Lua não significava nada para ele. Arthur
tinha todos os motivos para não gostar dela e nem confiar nela. Além disso, seu
advogado achava que estava louco por aceitar tal proposta.
Então por que levava aquilo adiante e
dava vazão a instintos protetores que jurara não possuir?
Chegou em casa e estacionou. Fez café,
tomou só a metade e foi para o escritório trabalhar no computador, até que a
exaustão o fez ir se deitar.
continua
Autor: luan
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